quinta-feira, 14 de março de 2013

BABY BOOM IMAGINÁRIO


-Aquela guria é louca, descompensada! - disse Eloísa. - Eu já te contei o que ela fez?
- Não, o que ela fez? - perguntei.
A esta altura do campeonato, temos vários tipos de casais. Os que estão juntos há pouco tempo e têm, mesmo nos seus vinte e poucos anos, filhos. Os que estão juntos há anos e beiram à paranóia para não ter filhos antes dos trinta. E os que nunca nem estiveram, mas quase geraram crianças. 
Neste último caso, grande parte das mulheres finge que está grávida ou faz alarde da suspeita para tentar salvar o relacionamento. O incrível disso tudo é: todo ano aparece um novo caso desses, sempre se repetindo.
Mas na verdade, essa história é sobre minha amiga Eloísa, estudante de 21 anos, que estava ficando com um boy magia quando, de repente, surgiu a notícia de que a ex-namorada dele poderia estar grávida.
Como qualquer mulher sã, a ex, que chamaremos de Marta, 20 e poucos anos, encontrou, sabe-se lá como, o número do celular de Eloísa. E lhe mandou uma mensagem:
“Não se preocupa que se eu estiver grávida, eu não vou ter o bebê, não. Eu vou abortar, não vou ser mãe solteira de jeito nenhum”.
-Ah, Eloísa, mas você também arranja cada um... - comentou Anita, que ria da situação.
Anita, na opinião de terceiros, seria a mais rebelde do grupo. Tinha cabelos negros cacheados e metade da cabeça raspada. Em um dos braços, uma tatuagem de uma perna de mulher com salto alto saindo de uma cauda de peixe. No outro, uma pin-up rechonchuda com tatuagens vermelhas no corpo todo: uma homenagem à sua mãe. No entanto, de nós três, seria o que as comadres diriam ser uma “perfeita moça de família”. Se as comadres fossem cegas, claro.
Eloísa, simpática, conhecia todas as pessoas em qualquer lugar que ia. Era aquela menina difícil de não se gostar. E os que não gostava, secretamente admiravam ou invejavam.
-E sabe o que ela disse pra ele?! “Alan, como você quer que eu tenha esse filho solteira?! se eu estiver grávida, eu vou abortar, porque não vou ser mãe solteira não!”. Esperando que ele pedisse ela em casamento. Ele foi lá conversar com ela sobre a situação, mas parece que é isso aí. Ela fez o teste de gravidez, mas deu negativo. Ela mandou uma foto pra ele do teste...
Sabia o posicionamento de Eloísa em relação ao aborto: totalmente contra. Lutava com a minha opinião, mas no fundo tinha certeza: era a favor. A não ser que a grávida fosse eu. No fundo acho que não teria coragem.
- E depois de ter confirmado que não estava grávida, ela mandou a fato de uma criança pra ele e escreveu embaixo “era pra ter sido assim”. Você acredita nisso?!
UM CAPUCCINO EXTRA GRANDE, POR FAVOR
Aqueles casais que conseguiram superar mais de dois anos sem engravidar ninguém são os que podem se dar ao luxo de realmente criar laços entre si, antes de dar tudo o que se tem para um futuro filho. 
Têm todo o tipo de luxo dos que podem perder horas e horas preocupando-se com o “nós”: preocupam-se com detalhes bobos, decifram as manias um do outro e passam tardes deitados olhando para o teto imaginando como seria o futuro. Assim são Edmundo, psicólogo de 30 anos que sempre cai nas graças do povo, e Natasha, estudante de medicina, 21 anos, estressada e amplamente admirada.
-Eu aprendi já: sempre que eu pergunto se ela quer uma coisa e ela diz não, eu já peço um extra.- disse Edmundo, olhando o cardápio e rindo da piada interna que tinha feito.
-Ai, amor! E você disse que não tinha ficado bravo aquele dia! - lamuriou Natasha
-Mas eu não fiquei bravo, não! - disse entre gargalhadas. Gostava de implicar com Natasha, sua bochechas ficavam rosadas com a irritação momentânea, deixando-a ainda mais bonita.
-É que a gente estava no cinema e eu não queria refrigerante. -explicou ela- E ele perguntou se eu queria. Eu gosto de refrigerante, mas não estava com vontade de tomar um aquela hora. 
-Ai eu pedi uma água pra ela e uma soda pra mim, pra ela não ficar com sede durante o filme.
-E eu pensei “hum, soda é legal”.  
-E simplesmente tomo a soda quase toda. Isso porque tinha dito que não queria. Eu até pedi uma água pra ela.
- É porque eu achei que você ia pedir coca ou guaraná, e eu não queria tomar nenhum desses dois...
-Já sabe o que vão querer? - perguntou um dos atendentes do Rei do Mate, onde tinhamos sentado para colocar o papo rapidamente em dia, antes de eu voltar para minha aula de direito constitucional. Com expressão de impaciente e irritado, o atendente ficou batendo a ponta do lápis no bloquinho de pedidos, olhando esperando enquanto Edmundo se decidia por uma bebida.
-Ahn...dois expressos.
-Não, eu vou querer um capuccino. - interferi. Se eu tomasse um café expresso às oito da noite, provavelmente teria uma crise estomacal. 
-Capuccino?   Hum...- perguntou Edmundo, com a expressão meio surpresa por eu ter rejeitado sua sugestão, mas percebendo que talvez capuccino fosse uma opção mais agradável.
-O expresso e o capuccino vão ser pequenos ou grande?
-Amor, você não vai querer nada mesmo? - Edmundo perguntou para Natasha.
-Não, não.
-Então um expresso pequeno e um capuccino  extra grande.
Quando estava para objetar novamento o tamanho da minha bebida, Edmundo se adiantou:
-Relaxa, ela vai tomar pelo menos metade do seu capuccino.
-Ei!

quarta-feira, 13 de março de 2013

VOMITANDO IMPROPÉRIOS: O PALAVREADO UNIVERSITÁRIO É POLIDO E EDUCATIVO


“puta que pariu, boca de estudante se lava com bombril”
“Vai tomar no cu, sua boca está atraindo os urubus!”
Era um protesto organizado. Reunia milhares de comadres, banqueiros e toda a população refinada dos séculos passados. Seguravam cartazes escritos na caligrafia clássica, com letra cursiva de dobrinhas acentuadas. O ano, e note a ironia aqui, era 2013. Sim, o protesto não era real, mas na cabeça de Lucilene.
Lucilene, 29 anos, era mãe solteira. Não se sabe muito bem porquê, mas tinha assumido para si a posição de que era necessário eliminar todo os impropérios da gentália alheia. Se faria isto com sabão ou falando ela mesmo palavrões, travestidos com áurea de grã-fina, não importava.
No entanto, não é sobre Lucilene que queremos falar. Esta história, na verdade, é de Anita, 21 anos, que em uma destas enrascadas da vida, encontrava-se sozinha em casa quando seu chuveiro começou a vazar. Sem saber o que fazer, foi pedir a ajuda dos universitários.
“Socorro! Meu chuveiro não quer fechar, está caindo água sem parar! Alguém sabe o que eu tenho que fazer pra essa porra parar? E sim, já joguei no google! Me ajudem, porra!”, escreveu ela no mural do seu facebook.
A LIBERDADE DE EXPRESSÃO TEM FORMATO DE MONÓCULOS E LUVAS BRANCAS
Lucilene, entre uma linha e outra de um trabalho final que estava fazendo pela segunda vez, dava uma olhada no seu facebook. Em sua cabeça, todos aqueles protestantes tomavam o chá da tarde com o mindinho levantado, utilizando expressões como “mas que falácia!” ou “querida, suas vestimentas estão divinas!”. 
E qual não foi o choque desta civilizada população mental quando viram os impropérios tão deliberadamente vomitados por Anita na página do facebook! Mas aquilo não estava certo! como uma menina de sua sala e classe social falava aquele tipo de coisa! era um absurdo! um escândalo! 
Que, é claro, não poderia passar em branco. Deixando suas mesas no grande salão, as comadres dirigiram-se em massa aos dedos de Lucielene, e digitaram as seguintes palavras nos comentários:
“O primeiro a se fazer nessa situação é lavar a boca com sabão. Depois, quem sabe, chamar o encanador”, e apertou enter. Sorriu e voltou a escrever mais uma linha de seu trabalho.
 A REVOLUÇÃO É UMA SENHORA GORDUCHA TRAVESTIDA DE ALUNO
Nos tempos de outrora, toda cidade pequena era uma vila de comadres. Como as metrópoles e as capitais de médio porte, como Cuiabá, não queriam abandonar esta maravilhosa tradição, inventou-se o facebook.
-Puta que pariu, enh! Quem é essa tosca? - comentou a primeira das amigas de Anita, uma advogada. No que Anita prosseguiu:
-Querida, deixa eu te ajudar: vai lá no topo da página do meu perfil [colocou o link do perfil] e desfaz a amizade. Pronto, problema resolvido!
-Ai, gente! Olha o barraco! -desabafou mais uma colega de Anita.
Lucilene, enraivecida com a repercussão da ausência de suas boas maneiras, mas sem querer deixar transparecer que aquilo tinha mexido com seu bom humor e polidez, comentou:
-Com essa sua simpática prepotência você vai longe, gata! Se você quer me ver fora do  seu facebook, que desfaça você a amizade! E você [referindo-se a amiga de Anita] que é advogada devia rever seu vocabulário. - apertou enter, satisfeita com sua sagacidade. Releu o comentário mais uma vez e sorriu: tinha sido educada e mordaz, pensou.
No que Anita replicou:
-Parabéns pela resposta que você ficou uma hora ruminando! Você é demais, filhote! E se minha simpática prepotência fizer com que pessoas como você se afastem de mim, então está ótimo, querida! Falei bonito o suficiente para os seus ouvidos? - Já que tinham chutado o pau da barraca, o melhor era destruir todo o entulho. E continuou - Se não, vou dizer com jeitinho: Enfia toda essa sua opinião no seu cu branco de cocota medíocre de classe média.
-Ai, é muita falta de benga, Anita. Esquece. - inteirou outra colega. Agora que os sinais de fumaça tinham se espalhado, todos queriam ajudar e assistir o circo pegar fogo.
A advogada também não deixaria aquilo passar em branco:
-Lulu do meu coração, pega esse vocabulário e enfia no cu. - e complementou a frase com um coração.
A comadre mental de Lucilene começou a se manifestar em forma de dor de cabeça. Gostava de criar polêmica, desde que ficasse por cima e ganhasse todas as discussões. Leu os comentários, refletiu um pouco, mas como isto não deu resultado escreveu:
-Parabéns, vocês são muito adestráveis! Se falar palavrões faz bem para o ego de vocês, continuem que vão longe! E Anita: eu leio o que eu quero na hora que eu quero, e o que eu escrevi veio tão espontaneamente que pode ter certeza que reflete o pensamento de mais de 50% da sala - levando-se em consideração a reputação dos alunos da federal, provavelmente era verdade - E você deve levar uma vida tãooo difícil pra ser assim mau humorada! Tempo de ler livros é que não te falta, né? E que seja feliz nessa sua intelectualidade medíocre. Bem, se quiserem continuar com os palavrões, fiquem a vontade, mas eu tenho que terminar meu trabalho e já perdi muito tempo com vocês. Beijinhos!
-Não é adestramento, não, Lulu! É que mandar gente babaca pra puta que pariu sempre é um prazer!- escreveu a advogada.
Lucilene, contrariando o que tinha dito, voltou a comentar:
-Eu não estou brava não! - estava. - Se esta era a intenção, perdeu, playgirl!
E a discussão continuou por mais de 60 comentários. Quando paro e analiso a situação, de repente vejo meus colegas que pregam a revolução e seguram cartazes em passeatas como velhas matronas, sentadas com o caderno aberto, anotando nossos movimentos e garantindo que as coisas permaneçam do jeito que estão. A revolução que todo mundo quer, na verdade, é uma senhora gorducha e puritana travestida de aluno radical.
QUE UMA REPUTAÇÃO IMACULADA SEJA O NOSSO DEUS E A BOA PUBLICIDADE A NOSSA VIRGEM
Segunda-feira de manhã, o incêndio que consumiu o circo aparentemente estava se esgotando. Mas o que não tinham calculado nesta obra é que o boca a boca conta muito. E de repente, com combustível renovado, o caso ganhou visibilidade e mais comentários.
Lucliene, percebendo que não tinha outro jeito a não ser pedir desculpas pela sua grosseria injustificada, assumiu uma áurea angelical e, com os olhos marejados, dirigiu-se à Anita.
-Anita, eu quero falar uma coisa com você.
Anita nem virou a cara. Estava com raiva demais para responder qualquer coisa. Não queria ser grossa, nem reiniciar uma discussão desnecessária.
-Hum - repondeu.
-Eu quero pedir desculpas pelo que eu disse sábado e ontem...- segurava seu caderno junto ao corpo. Não queria chorar. Suas desculpas não eram sinceras, mas eram necessárias.
-Hum, tá bom.
-Acho que foi muito grosseiro...E a exposição toda não foi legal, vou apagar os comentários, não vale a pena.
Anita e eu ficamos em silêncio. Com os olhos semi-cerrados, olhamos uma para a outra contento o sorriso malicioso que teimava em brotar de nossos lábio. “Então, não é que você está preocupada com os sentimentos dos outros, mas que a publicidade ficou desfavorável pra você....”, pensei, mas não disse.
-Hum, tá bom.
-Tá...desculpa então.
Lucilene desceu as escadas. Claro que o caso não ficou pra trás. Uma vez chutado o pau da barraca, dias e dias se passam antes que a poeira abaixe.

terça-feira, 12 de março de 2013

VÊNUS CHATEADA


“Função de identificação da constituição: designa as finalidades do Estado, frente às mudanças da sociedade, são garantidos pela constituição a estabelecer o ordenamento jurídico”
Aula de direito constitucional. Já eram quase oito horas da noite e, não se sabe muito bem porquê, aquele dia todos estavam meio avoados. E amuados também. A professora falava sem parar com sua voz doce e jeito delicado, tentando tornar a aula interessante. Mas os alunos, além de distraídos, estavam amuados. 
Eu estava olhando para a senhorita Loira, que, com os olhos inchados e olheiras profundas, parecia que tinha chorado horas antes.
-Por exemplo - continuou a professora, tentando ilustrar a função de identificação. Apontou para a senhorita Loira -  Ela é loira, é bonita, tem cabelo comprido, é inteligente, veio de tal lugar, estuda na Unic, quer fazer tal coisa da vida....Todas essas característica nos ajudam a identificar nossa colega aqui.
Apesar dos elogios, a senhorita Loira não tirou os olhos de seu caderno. Eu certo ponto da aula, tirou um pequeno estojo preto com bolinhas rosa. Era um espelho, que usou para retocar a maquiagem.
Ao invés de salto alto, uma sapatilha preta, uma blusa preta transparente, calça jeans, unhas vermelhas e relógio dourado. Estava demasiado séria e sua personalidade contagiante e autoritária se escondia nos seu olhar desamparado.
Algo tinha acontecido.
“Own, tadinha”, escreveu Diego em uma mensagem de texto. “Pergunta pra ela se está tudo bem”.
“Eu não!”, respondi. “Nem conheço ela”.
“E o que que tem? Af, sua empatia é zero”
Fiquei um pouco chateada com o comentário. Não é que não tinha empatia pela situação alheia, mas sim que não me sentia a vontade de chegar falando com estranhos dessa maneira, na maior intimidade, perguntando se estava tudo bem.
“Você não lembra aquela vez que você estava chorando no ônibus e uma menina fez um passarinho de origami pra te alegrar? Ela também não te conhecia, mas aquilo fez com que você se sentisse melhor”, completou Diego na mensagem seguinte.
Era verdade. Isso tinha acontecido há mais de um ano. Eu estava sentada no ônibus com a cabeça apoiada nos ombros de Diego. Não me sentia muito bem. Com os pés relaxados , não percebi quando a porta do veículo se fechou que estava bem na mira dela. Fiquei com o pé preso, o que machucou um pouco. Comecei a chorar.
Uma menina, vendo aquilo tudo e percebendo como eu estava com uma expressão triste e melancólica, fez um passarinho com uma folha de caderno. Olhando fundo nos meus olhos, disse:
-Pra você. Melhora... - e desceu do ônibus.
Talvez eu me sentisse intimidade pela beleza. Talvez fosse o fato de que tinha medo de ela debochar de mim. Seja lá o que for, fiquei no meu canto. Não a consolei, não falei nada. Provavelmente era egoísmo. Mas que mortal limparia as lágrimas de vênus se ela chorasse? e se fossem ácidas e corroessem sua mão?

domingo, 10 de março de 2013

PICUINHAS FAMILIARES



As famílias que se prezem, que são tradicionais e bem estruturada, se reúnem todos os domingos para almoçar. 
Seguindo a tradição, o almoço estava atrasado. Mas ultimamente, eu já não participava muito das reuniões familiares. Eu sentia que ninguém mais se interessava por mim, que a cada dia que passava me tonava desinteressante, até mesmo para minha própria família.
-Você viu ela no aniversário? - aniversário da Bianca, que completava dois anos de idade. Eu não tinha comparecido. Aniversário de criança em um segunda-feira não é algo que  gente faz muito esforço pra ir.
-O Alberto estava tão bonito! - disse minha avó Virgínia.
-Eu achei ele meio gordo. - minha mãe, sempre soltando comentário do contra e amargurados, não deixaria de contribuir ao assunto.
-Ele está fortão! Ele faz aquela luta lá...como chama mesmo? - perguntou minha avó, parecendo genuinamente confusa.
-jiu jitsu?- Arriscou minha prima mais nova, Jéssica.
-Mas a mulher dele continua com a mesma cara antipática. - replicou minha mãe.
-Ela está bonitona também, toda trabalhada. - contrariou minha avó.
-Ela estava com um vestidinho maravilhoso. Daqueles que você só pode usar se não tiver uma grama de barriga. - minha tia, apesar de dizer isto com a boca, deixava claro em seu olhar que não gostava dela.
-Eu não achei bonito, não. 
-Ah, que isso! - replicou minha tia.
-Quando a Neide vai lá na escola buscar o Fernando, a Livre Porto para. - disse meu tio, entrando na conversa.
Enquanto isso, o filé mingon e a calabresa eram consumidos em uma velocidade assustadora e constante. Ser um grupo de comadres não atrapalhava devorar o almoço.
-Para mesmo, todo mundo fica olhando pra ela. -confirmou minha prima, que estudava na mesma escola que Fernando.
-Parece que a Juliana fez as pazes com o Alberto. - Juliana, mãe de Bianca, não se dava bem com Neide. Na verdade, era ao contrário: Neide não se dava bem com ninguém do nosso lado da família. Parecia uma pequena guerra.
-Mas eles nunca estiveram brigados, é a Neide que ficou de mal de todo mundo.
-Pois é, isso mesmo. E mesmo assim continuam juntos, que nem o Alex e a Elaine. Insuportável essa mulher, não confio nem um pouco nela. - Alex era irmão de Alberto.
-Entre tapas e beijos, eles ficam juntos.- cantarolou meu tio.
-E Alex está começando a ficar todo ciumento com a Bianca. E ela está toda engraçadinha, cantando, correndo pra lá e pra cá. Você viu no aniversário? E a Daniele fica toda sem graça. - Daniele, filha de Alex, deixava de ganhar toda a atenção agora que um novo bebê tinha nascido.
-Você devia ter visto a cara da Elaine quando você chegou. Ela fechou a cara na hora. - disse minha tia.
-Ah, está louca. O que eu já fiz pra ela? - respondeu minha mãe.
-É porque você é bonita e é o que ela nunca vai ser e tem o que ela jamais vai ter. - disse minha tia, com uma expressão esnobe.
-Grande merda. Eu não confio nessa mulher. Ela e uma trilha de merda no chão, pra mim, são a mesma coisa. - respondeu minha mãe.
-E minha mãe fica puxando saco dela! - Disse minha tia, virando-se para minha avó.
-É! quero ver quando ela der o bote em você! - concordou minha mãe.
-Mãe, você tinha que parar de puxar o saco desse povo. Ai ela vai te dar uma e quero ver. - ressaltou minha tia.
-E ela já não deu? - respondeu minha avó, com cara de Maria Madalena.
Nada como uma família unida.

sábado, 9 de março de 2013

ALTANTE, LEVE-ME ATÉ O PALÁCIO!

-Cecília, se você se casar com meu pai, você vai ser minha madrasta, né? - perguntou Alana, tentando de todos os jeitos sair de debaixo do chuveiro. O cloro da piscina deixava seu cabelo difícil e ela não tinha paciência para deixar alguém lavá-lo decentemente.
-É, isso mesmo - respondi, abafando uma risada, enquanto tentava enxaguar o creme condicionador do cabelo dela. Por ser muito pequena e hiperativa, e ter longos cabelos loiros cacheados, isso era sempre uma tarefa difícil.
-Mas você vai ser uma madrasta boa, né? não uma madrasta mal, não é? - eis o efeito Disney. Por sorte, Alana tinha um pouquinho mais de discernimento e não tinha medo de perguntar e desabafar suas angústias.
-Claro. Madrastas más só existem em desenhos.
Sabia que isso não era verdade. No mundo real, até as mães eram más. Muitas delas, pelo menos. Mas isto, eu esperava, era algo que nunca faria parte do universo daquela pequena menina que se esquivava de todas as minhas tentativas de enxaguar seu cabelo.
Ficava ponderando se tinha errado em lhe dar meu dvd da Braca de Neve, que tinha virado seu favorito. Assistia o desenho vezes sem conta, uma atrás da outra. Assistia ao acordar e depois para conseguir dormir. Eu, no final das contas, lhe apresentei a madrasta má. Mas nunca tinha me visto como madrasta de ninguém. Não nesta idade. Para mim, ainda era uma dependente que fazia duas faculdades e achava incrivelmente difícil ir de encontro com a inércia da minha vida.
Algumas horas antes, Alana estava deitada na cama da avó, dormindo tranquilamente. Seu avô dormia no colchão nestes dias, mas não achava ruim. Na verdade, pensava Ricardo, era meio que um alívio dormir sem ninguém empurrando-o e puxando sua coberta.
-Vó! - gritou Alana quando acordou. - Faz meu mama!
E continuou deitada enquanto sua avó, acordada há horas, se apressava para atender o pedido da neta. Sua necessidades, pensou ela enquanto colocava o nescau na mamadeira, deviam sempre estar em primeiro plano. Diego e Davi já estavam crescido e eram homens, não deviam ser mimados. Mas sua pequena princesa, sua netinha que veio muito antes do que havia esperado, devia ser tratada como realeza. E era, mesmo sem a coroa de ouro. Em seu lugar, cabelos dourados lhe dava a áurea real que a avó idolatrava.
E mostrava o comportamento autoritário em sua personalidade desde pequena. Depois de ter almoçado junto com o pai e comigo, viemos para minha casa tomar banho de piscina. E Alana tinha uma brincadeira: era a sereia rainha. Eu, cansada demais para nadar de um lado para outro, fique só observando.
-Altante, me leva até o palácio! - disse com um tom de voz estável para seu pai, Diego. Sabe-se lá o que era Altante, ou de onde ela havia tirado aquela palavra. Mas pelo contexto, assumi que era lacaio ou um jeito-de-fazer-meu-pai-me-carregar-pela-piscina.
Diego, no entanto, não saiu do lugar. Ficou com seu sorriso sabe-tudo, com o olhar desafiando a filha.
-Altante, me leva até o palácio!- gritou. Como novamente não houve resposta, encheu os pulmões e, com todas as forças, gritou- Altante!
-Por que você está fazendo essa cara de cu? - disse Diego. Assustei com o palavrão, mesmo que dito mais baixo que o resto da frase. Alana, no entanto, achou aquilo hilário, e começou a rir daquela forma inocente e verdadeira.
-Que cara?! - perguntou rindo, embora soubesse a resposta.
-Essa cara arrogante, com nariz empinado. - Era a realeza que se manifestava em sua personalidade. Sempre que queria alguém fizesse algo e não era imediatamente atendida, fazia aquela expressão de princesa contrariada. - Quando você pedir educadamente e com carinho, eu te levo até o palácio.
-Amiguinho querido, me lev...- Mas antes que ela terminasse a frase, seu pai tinha caído na risada.
-Elaia, vou te contar, enh! - e rindo, foi até ela e a abraçou, finalmente levando-a até o palácio imaginário na outra borda da piscina. Depois de terem dado uma volta completa, agitando a água cheia de cloro, ele a deixou sentada na escadinha.
Cinco minutos depois de ele ter se afastado, Alana gritou:
-Altante, me leva até o palácio!

sexta-feira, 8 de março de 2013

NÃO ERA APENAS MAIS UM ROSTINHO BONITO?


O bom dos preconceitos é quando eles se mostram infundados. O primeiro dia em qualquer lugar é um tanto quanto assustador, principalmente em uma nova faculdade. Diferente do que eu estava acostumada na minha primeira universidade, que era federal, esta era particular. E cara, diga-se de passagem.
Há pouco tempo de ter um diploma de jornalismo em mãos, percebi que talvez isso não fosse o suficiente para conseguir o que eu queria. E o que, afinal, eu queria? Não sabia a resposta. Mas talvez o curso de direito me desse uma base melhor enquanto eu tentava descobrir.
Com minhas incertezas pesadas na mochila e arrastando o chinelo no pé, fui para uma das primeira aulas, com o terceiro semestre. Não conhecia ninguém. Sentei e olhei em volta.
-Ai, amiga! - exclamava uma menina de estatura pequena, as feições frágeis e rosto simples, sem aquela beleza óbvia que separa as mocinhas das melhores amigas. Ao seu lado, estava o que assumi ser a beldade da turma. Mas não era, havia muitas mulheres belas transitando por aqueles corredores. No entanto, com sua altura notável, complementada por saltos altos que nem em festas eu me atrevia usar, estava a “amiga” da moça franzina.
-Eu estou falando sério!- Falava quase gritando. Seus dentes eram enormes, fato que destacava seu sorriso escancarado. Não consegui saber do que estavam conversando, mas olhei para ela com certa admiração, misturada com um pouco de desprezo.
Era certamente muito bonita: cabelos loiros alisados e compridos, roupas impecáveis e um Iphone na mão. Falava algo e gesticulava todas as palavras. Na minha presunção, conclui que devia ser apenas mais um rostinho bonito. Abri meu livro e parei de prestar atenção ao que acontecia.
Na metade da segunda aula, já quase dez horas da noite, todos começam a ficar agitados e ansiosos para ir embora. Alguns, incapazes de se conter, mexiam os pés freneticamente, fazendo ruídos com as cadeiras.
Dez horas da noite. Direito constitucional. Provas futuras e aquele barulho distraindo a sala inteira. Quando pensei que fosse explodir de irritação, a senhorita loira virou-se e, sorrindo e ao mesmo tempo com expressão autoritária, fez um “shhhh!” alto. O menino que balançava o pé parou. E ela apenas continuou sorrindo e voltou a prestar atenção na aula, para minha surpresa.
Percebi então que a senhorita loira tinha aquele tipo de personalidade apaixonante, que ao entrar em um local rapidamente se fazia notar. Não simplesmente por ser bonita, mas por irradiar um não sei o que que lembrava autoritarismo e carisma. Talvez a pessoa pequena fosse eu, que sempre associei beleza a ignorância. Pode ser que isso tenha sido verdade no meu ensino médio, mas com certeza não era mais na faculdade.